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Nesta quarta-feira,  dia 7, o Jornal Valor Econômico, publicou artigo assinado pela Presidente da ANAUNI, Dra. Márcia David sobre o projeto de lei complementar (PLP) 337/2017. Confira abaixo o teor do artigo. Para acessá-lo pelo site do veículo, clique aqui.

OS IMPACTOS OCULTOS DO PROJETO SOBRE AS AGÊNCIAS

Por Márcia David

O projeto de lei complementar (PLP) 337/2017, que visa expandir a competência da Advocacia-Geral da União (AGU), limitando a atuação da Procuradoria Geral Federal (PGF), responsável pela representação das autarquias e fundações, constitui o último golpe na independência das agências reguladoras e demais autarquias. O objetivo principal do PLP é dar ao Advogado-Geral da União o poder de anular multas e punições em geral, além de aniquilar a independência regulatória.

O projeto de lei foi elaborado na AGU sem qualquer debate externo. A imprensa agora começa a colocar holofote no tema, dada sua relevância, dando oportunidade de reflexão à sociedade, que seria duramente prejudicada pela medida. Prestes a ser votado no Congresso, não houve ainda uma discussão aprofundada da proposta com representantes do Banco Central, dos ministérios envolvidos – Casa Civil e Fazenda, por exemplo – bem como com os integrantes das próprias agências, as grandes interessadas no assunto. Nesse contexto, as implicações da aprovação desse projeto incluem não só a perda da autonomia das autarquias, mas também a descaracterização da Administração Pública Federal e – o pior – um impacto direto e negativo na garantia dos direitos do cidadão.

A autonomia e a independência concedidas às agências reguladoras, que integram os pilares da administração pública moderna, são fundamentais para que possam exercer adequadamente suas funções, uma vez que o maior bem jurídico sob tutela é o interesse comum, e não pode – ou não deveria – estar sujeito a constantes intempéries políticas. Trata-se de elemento essencial da proteção à sociedade, especialmente no âmbito da influência de interesses políticos e empresariais sobre a regulação da atividade econômica.

Como esclarece o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, “cada entidade de administração indireta da União se vincula por modo contínuo ao governo federal em termos apenas de acompanhamento, tutela e supervisão, nunca de subordinação ou obediência hierárquica, pois o certo é que toda entidade da administração indireta do Estado goza de uma autonomia administrativa que é corolário de sua personalidade jurídica em apartado”.

A associação entre os corpos jurídicos das entidades da administração federal indireta e a AGU é técnica. A AGU não possui competência constitucional para a representação judicial e extrajudicial na atuação em consultoria e no assessoramento jurídico das autarquias e fundações públicas federais.

A lei, inclusive, não pode modificar essa ausência de competência, o que significa a inconstitucionalidade do PLP 337/2017. Mas, com o projeto aprovado, efetivamente ambas as procuradorias passariam a submeter suas decisões ao ministro-chefe da Advocacia Geral da União, que hoje tem vinculação direta com a Presidência da República.

Face ao princípio da eficiência da administração pública, citado na emenda 19 da Constituição de 1988, em seu artigo 37, e da necessidade de modernização do Estado, a criação de autarquias especiais e agências reguladoras teve como objetivo separar decisões essenciais de influências políticas e interesses econômicos.

A despeito das normas constitucionais garantirem a independência das autarquias, inúmeras foram as tentativas de violar sua autonomia para atender interesses privados de toda sorte, sempre ao arrepio do interesse público. É o caso do Decreto nº 4.635/03, que criou a Secretaria de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, com o objetivo de interferir na regulamentação e normalização técnica para a execução dos serviços públicos e privados de telecomunicações. Na prática, não se passaram muitos anos sem que o propósito intervencionista não esperasse para tentar destruir a independência das agências reguladoras, seguindo a tradição que já atingia outras autarquias como o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Marco desse intervencionismo, a Lei 13.203/2015 dificultou o poder da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de punir concessionários pelo atraso na construção de projetos de geração de energia (hidrelétricas e termelétricas) bem como linhas de transmissão. A referida lei é parte de um longo processo de pressões contra os procuradores da Aneel no que tange à cobrança de multas e o momento de realizá-las.

Dada a natureza política do Ministério das Minas e Energia, cobranças como a referente ao risco hidrológico correm o risco de serem politizadas ao serem evitadas em momentos políticos desfavoráveis e transferidas levando-se em conta a mera conveniência dos agentes políticos, causando prejuízos imensos à população, como na cobrança incorreta de R$ 1,8 bilhões feita nas contas de energia em 2015 e 2016.

As agências reguladoras são dotadas de autonomia política, financeira, normativa e de gestão, com o apoio de conselhos compostos por profissionais especializados em suas áreas, com independência em relação ao Estado e poderes de mediação, arbitragem e de traçar diretrizes e normas, para proteger os contratos aos imprevistos da realidade. São elas a representação de um Estado moderno, livre da intervenção estatal na economia e aberto ao mercado global, além de garantir a participação ativa do consumidor nas decisões pertinentes do setor regulado.

No âmbito institucional, é impossível negar a importante atuação da AGU para a defesa do Estado Democrático de Direito, principalmente no combate à corrupção, onde contribui diretamente na recomposição do patrimônio público, atuando como um braço forte de poder do governo federal na busca pela recuperação de valores, que vão diretamente para os cofres da União, como, por exemplo, no caso da Operação Lava-Jato.

Mas não há como deixar de alertar a opinião pública sobre a inconstitucionalidade, se aprovado o PLP 337/2017, decorrente da acumulação das estruturas jurídicas da Administração Direta e Indireta sob o mesmo guarda-chuva da AGU e proteger a indispensável independência das autarquias e fundações, livrando-as de interferências políticas clientelistas , garantindo o interesse público e preservando a sociedade.

Márcia Bezerra David é advogada, presidente da Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni).