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O Efeito Suspensivo do Agravo do § 3º do artigo 4º da Lei 8.437/92 A iniciativa de consolidar temas fundamentais ao aprimoramento do exercício da Advocacia Pública, incorporando as contribuições dos colegas da Advocacia-Geral da União merece, desde já, clamorosos aplausos aos implementadores dessa idéia, que brevemente colherão frutos desse preciosos trabalho tanto na realidade forense, como no recrudescimento do papel da AGU perante a sociedade.

Temos aqui, uma das mais prestigiosas instituições imbuídas na defesa do interesse público, embora, a rigor, ainda não prime por esse reconhecimento em nosso meio. A incumbência de mudar essa realidade é particularmente nossa e parte do reconhecimento
geral de que estamos no exercício de uma tarefa delineada como um dos pilares para a subsistência do interesse público: a defesa da “res publicae”, ou seja, a repulsa a todos os atos que pretendam dilapidar o patrimônio do povo brasileiro.

É preocupante constatarmos, por exemplo, mesmo diante da expressa vedação legal, reiteradas concessões de medidas liminares em mandado de segurança visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens, sem que a decisão concessiva faça qualquer menção, quer ao dispositivo da lei que veda tal comportamento (Lei no 4.348/64, artigo 5o ), quer à circunstancia de o mencionado dispositivo legal ser inaplicável na espécie diante de sua inconstitucionalidade ou por qualquer outra razão jurídica.

Difícil explicar o motivo para reiteração dessa prática, mesmo após o julgamento proferido na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 04 (ADC-4), que tem eficácia contra todos e efeito vinculante para os órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário.

Essa opção, é evidente, deve continuar a ser duramente combatida por nós, haja vista as hipóteses em que a medida liminar é proibida e mandado de segurança e, na linha da lei, em ações cautelares ou preventivas contra o Poder Público.

Na inauguração dessa Revista, trouxemos à baila uma proposta de sistematização e de interpretação relativas à atuação do Estado em juízo, em face do efeito suspensivo do agravo previsto no §3º da Lei nº 8.437/92, a partir das modificações do direito positivo introduzidas pela Medida Provisória nº 1984.

Preceitua o §3º do art. 4º da Lei nº 8.437/92:

“Art. 4º Compete ao presidente do Tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou na pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. (…)

§3º Do despacho que conceder ou negar a suspensão caberá agravo, no prazo de cinco dias, que poderá ser recebido com efeito suspensivo.

Preliminarmente, cumpre-nos brevemente demonstrar a mudança de orientação quanto à recorribilidade do ato presidencial estatuído pelo caput do art. 4º acima transcrito, a partir do “novo” pedido de suspensão de que trata o §4o do dispositivo legal em comento. No particular, cumpre-nos a lembrança de dois enunciados de Súmulas que negam a recorribilidade da decisão que indefere o pedido de suspensão formulado em mandado de segurança, à luz da interpretação literal do disposto no art. 4º da Lei no. 4.348/64, que só prevê o cabimento do agravo em face da concessão do pedido de suspensão. Dispõe o enunciado da Súmula no. 506 do Supremo Tribunal Federal que “o agravo a que se refere o art. 4º da Lei no. 4.348/64, de 26.06.1964, cabe, somente, do despacho do presidente do Supremo Tribunal Federal que defere a suspensão da liminar, em mandado de segurança; não do que denega.”

De outra banda, o enunciado da Súmula no. 217 do Superior Tribunal de Justiça estatui que “Não cabe agravo de decisão que indefere o pedido de suspensão da execução da liminar, ou da sentença em mandado de segurança.”

O mestre José Carlos Barbosa Moreira, em palestra que proferiu na cidade de Vitória – ES, no dia 18 de março de 2000, a respeito da teoria geral dos recursos, embora tenha negado a existência de um princípio do duplo grau de jurisdição na Constituição da República (acolhendo o entendimento consolidado no âmbito do Supremo Tribunal Federal), defendeu que a revisibilidade de qualquer decisão jurisdicional é ínsita ao devido processo legal e ao devido processo legal e ao contraditório (princípios previstos expressamente na Constituição), ainda que não realizada por graus de jurisdição diversos. Daí porque pode-se dizer não subsistir, na linha das mencionadas Súmulas, a frustração da recorribilidade da decisão que nega o pedido de suspensão.

Por isso afirmamos, em que pese o argumento de autoridade de as aludidas súmulas negarem o cabimento de recurso contra ato presidencial que não concede o pedido de suspensão em se tratando de mandado de segurança , a própria letra do § 3º em comento sempre afastou qualquer dúvida quanto ao cabimento do agravo nessa hipótese. De outra banda, de acordo com a redação anterior à 16ª reedição da Medida Provisória 1984, não havia nenhuma alusão expressa à possibilidade de agra o a ser recebido com efeito
suspensivo.

Aliás, em relação aos reflexos da suspensão da liminar no sistema recursal, após as modificações trazidas pela Lei no. 4.348/64 – porque o caput do art. 558 do Código de Processo Civil não se refere unicamente ao agravo de instrumento, estando incluído, inclusive, no capítulo relativo à “ordem dos processos no tribunal”, sendo, portanto, possível sua aplicação naqueles casos de outros agravos e recursos cabíveis nos tribunais. Essa interpretação quanto à incidência do regime de “suspensão”, passou a ser típica de qualquer recurso de agravo (tão difundidos na exata proporção em que se viabilizou e se fortaleceu a atuação monocrática dos Tribunais) e a medida provisória em comento veio a confirmar esse entendimento.

O dispositivo, entretanto, oferece outro questionamento sobre qual agravo comporta efeito suspensivo: o que nega ou o que concede a suspensão? Estamos convencidos de que é muito mais acertado e sistemático admitir a viabilidade da suspensão de um ato de conteúdo negativo. O fenômeno é identificado pela doutrina e pela jurisprudência e descrito por ambas com nomes elucidativos dessa possibilidade: efeito suspensivo ativo; suspensão dos efeitos negativos do desprovimento e, por analogia, antecipação da tutela na fase recursal. Em suma, suspende-se justamente o que não foi obstado pela intervenção do presidente do Tribunal: o ato judicial impugnado pelo pedido de suspensão.

Assim sendo, o efeito suspensivo referido na segunda parte do §3º do art.4º da Lei nº 8.437/92 tanto pode ser atribuído ao agravo da decisão que concede o pedido de suspensão como da que nega essa mesma pretensão, sendo que nesta hipótese o efeito suspensivo do ato negativo é o deferimento, desde já, da suspensão formulada com fundamento no caput do art. 4º da Lei nº 8.437/92.

Superada essa questão, subsiste outra quanto à competência para sua apreciação. Do ponto de vista sistemático, se a atribuição de efeito suspensivo é ato do próprio presidente do Tribunal, prolator da decisão agravada, ele seria também o órgão da interposição do agravo a que se refere o §3º em tela. Assim, se ele entender presentes os pressupostos condutores da atribuição do efeito suspensivo ao agravo do §3º, atribuirá o efeito suspensivo de plano. Caso contrário, determinará o processamento do agravo sem efeito suspensivo. Nesta hipótese, por imposição do sistema, caberá novo agravo interno voltado especificamente a esta questão, que deverá ser julgado pelo órgão colegiado que for indicado pelo Regimento Interno de cada Tribunal e que coincidirá,  necessariamente, com o grupo que julgará o agravo interposto para concessão ou denegação do próprio pedido de suspensão.

Ainda que decorra dessas conclusões uma certa sobreposição de juízos e de graus de cognição a serem exercidos pelo presidente do Tribunal e pelo colegiado recursal, sucessivamente não há como admitir que o pedido relativo à atribuição de efeito suspensivo possa ser destinado a outro juiz que não o presidente do Tribunal, prolator da decisão agravada que pretende a concessão ou a denegação do pedido de suspensão. Até porque é ínsito a esse agravo a possibilidade de retratação a ser exercida pelo presidente do Tribunal.

De fato, o recebimento do agravo dirigido ao ato do presidente do Tribunal significa, alternativamente, a possibilidade de sua retratação e, desde que haja pedido expresso, a possibilidade de, meramente atribuir efeito suspensivo a seu processamento. Se ele convencer-se de seu total desacerto, na hipótese, é o equivalente ao que exerceu quando da apreciação do pedido de suspensão. Não havendo essa equivalência, verificando-se apenas a possibilidade de modificação de seu entendimento pelo órgão recursal, deve o presidente do Tribunal limitar-se a atribuir efeito suspensivo. Caso não ocorra nenhuma dessas alternativas, o agravo deve ser processado sem efeito suspensivo, porquanto não vislumbrados, na espécie, os elementos do caput do art. 558 do Código de Processo Civil.

Nessa perspectiva, pode-se dizer que a medida é salutar do ponto de vista da economia processual, além de indicativa do pleno domínio relativo aos diferentes juízos e graus de cognição a serem exercidos na hipótese.

Autor:

Daniela Aben-Athar – Advogada da União